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Assim tocam os tambores de Marcelo D2

Confira a resenha do portal Per Raps, sobre o trabalho do D2 gravado de forma inovadora ao longo do mês de julho: o rapper carioca expôs o processo criativo – da pesquisa até a mixagem – durante transmissões ao vivo na plataforma Twitch



Assim Tocam os MEUS TAMBORES, novo disco de Marcelo D2, tem um paralelo bem interessante com o livro "Slumberland". Nele, Ferguson Sowell (DJ Darky) cria um beat complexo que impressiona todos os beatmakers do seu grupo. Algumas propostas de compra chegam, mas a intenção é deixá-lo perfeito. Para isso, ele vai à Alemanha tentar encontrar um lendário jazzista, Charles Stone (Schwa) – que pode não estar vivo. Só com a ajuda dele, o DJ Darky conseguirá aperfeiçoar sua batida. Nessa jornada, ele se torna um sommelier de jukebox num bar voltado aos amantes de jazz. E então, é ali que a magia acontece.


Então, o que o romance do Paul Beatty tem a ver com ATMT? Quase tudo! Não sei se D2 leu a história em algum momento, mas há uma conexão na busca de Ferguson e o processo de produção que o rapper escolheu. Por conta do isolamento social, o MC carioca decidiu fazer um projeto para falar do momento caótico que o mundo vive.


Essa também foi a forma que ele encontrou para se “isolar” dos haters, principalmente após as críticas (no Twitter) direcionadas ao atual presidente e ao governador de São Paulo. O lugar de refúgio foi o Twitch, plataforma de streaming de vídeo ao vivo. Lá, Marcelo Peixoto se reuniu com o seu público (quem estava afim de se envolver) e em tempo real chamou beatmakers, produtores, rappers, um historiador, poetas e cantores para colaborar no álbum.


A tracklist de Assim tocam os MEUS TAMBORES.

No decorrer de mais de 20 lives, o artista gravou a participação de diferentes músicos e produtores. O projeto conta com parceiros de longa data, como os produtores Nave, Nuts, Mario Caldato Jr e Tropkillaz, mas também estreia novos feats com cantoras como Liniker e Juçara Marçal, com o músico Kiko Dinucci e com os rappers Don L, Djonga e Baco Exú do Blues. D2 também recebeu sugestões de fãs para ideias de letras e opções de beats.


“Mesmo trancado em casa, ninguém segura a gente”.

Antes de mais nada, a arte dos tambores de Marcelo D2


Nas lives, D2 também apresentou suas referências, em vinil, arte visual, livro. Assim como Sowell usou o seu conhecimento em jazz para fazer uma seleção ideal para os ouvintes, ele também se tornou um sommelier artístico ao fazer esse compartilhamento cultural. Esse laboratório também foi essencial para direcionar o desenvolvimento dos sons. Mais importante que isso foi a disseminação de conhecimento. No entanto, talvez o disco e o filme tenham sido apenas consequência de algo maior, que é a contribuição para abrir a visão daqueles que acompanharam de perto, mesmo estando longe.


Apesar de todas as impossibilidades que a distância proporciona, Marcelo D2 conseguiu superar as expectativas, e a si próprio. De alguma forma, conseguiu se fechar para oxigenar a mente. Fugiu do nevoeiro. E não deixou com que a raiva tomasse conta. Mas é possível que tenha concluído que não conseguiria mudar a situação do país batendo de frente com os bots no TT. Teve que dar um tempo, repensar as atitudes, arquitetar o plano e sacar da gaveta seu armamento mais potente: a arte.



Sobre o disco Assim Tocam os MEUS TAMORES


Musicalmente, ATMT é impecável. Tem toda a brasilidade já explorada na discografia do Marcelo. Mas há uma pluralidade maior, e junções acertadas de jazz, maracatu, rock, funk, samba, soul. O resultado final é o reflexo da escolha de quem estaria na linha de frente e o pelotão da retaguarda. O alistamento foi feito na hora, por telefone, após indicações de quem acompanhava as transmissões. Alguns aceitaram na hora, outros pensaram e poucos não conseguiram fazer parte. Mas no final, todos foram essenciais para alicerçar a obra, que tem uma composição diversa. Assim como em Amar é para os fortes, o storytelling é bem amarrado para se alinhar com o audiovisual – dessa vez não se faz necessário assistir o longa para entender o conceito geral do LP.


Mesmo com toda a carga emocional desse tempo, ATMT não tem um discurso violento. É leve até nas letras mais pesadas, de contestação. O D2 soube aproveitar muito bem a expertise dos seus convidados, de idades, realidades e experiências diferentes. Até por isso, essa diversidade gerou um trabalho único, que registra com precisão um dos períodos mais críticos da sociedade moderna. Não considero este o melhor trabalho do D2, porém está entre os mais consistentes (batendo de frente com Nada Pode Me Parar). É uma aula de como se reinventar e fechar parcerias diversas sem ser burocrático. Só que é claro que os altos e baixos existem. Os picos estão espalhados. E os protagonistas nem são o artista principal.



Algumas faixas em destaque


Primeiramente, ROMPE O COURO traz vocais da Juçara Marçal que roubam a cena; o monólogo TAMBOR, O SENHOR DAS ALMAS, do Luiz Antônio Simas, interpretado por Criolo, não seria tão perfeito se o MC paulista fizesse uma participação rimando; e as camadas do background produzido pelo Dr. Drumah para É AMANHÃ (VEM) traz uma atmosfera de Nova York dos 90’s (sem sujeira) com referência de jazz e bossa nova; vale também citar a ode à Chico Science e Naná Vasconcelos na MALUGOFORTE.


Mas será que há “ponto baixo”? Se sim, esse poderia ser considerado MAGRELA87. É fácil entender. D2 deu aquela relaxada para fazer uma declaração de amor para sua esposa Luiza Machado, também responsável por toda a produção do LP.


Por fim, na composição da obra, ATMT é irrepreensível. Agrada os ouvidos mais apurados e os descompromissados. Não tem como ouvir apenas uma vez.


 

Créditos: Matéria original publicada 02/10/2020, por Adailton Moura, Per Raps em https://perraps.com/resenhas/resenha-marcelo-d2-assim-tocam-os-meus-tambores/

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