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Alice Coltrane & Carlos Santana no transe de Illuminations

O encontro metafísico entre Alice Coltrane e Carlos Santana. Spiritual Jazz e Latin Jazz. O resultado? A iluminação.


Carlos e Alice juntos, foto retirada do vinil

Sabe quando um guitarrista começa a solar, fecha os olhos e olha pra cima? Wayne Shorter chamou isso de ”o reino invisível”. É pra lá que ele ia quando improvisava. Foi essa história que ele contou para seu amigo e colaborador Carlos Santana. O doritos psicodélico de Woodstock gostou dessa “explicação”, tanto é que buscou ajuda espiritual para compreendê-la.


Foi quando ele começou a tocar Jazz e fechar seus olhos por tempo indeterminado. Isso aconteceu à partir de 1972, com o lançamento do “Caravanserai”, sua primeira incursão no estilo, mais puxada para o Latin Jazz.

Mas o que é o reino invisível? Como é feita essa conexão? Como a música eleva criador e público? A questão da espiritualidade e das crenças de expansão da percepção, são um elo primordial para se compreender certas experiências sonoras.



Quando John Coltrane buscou elevar sua música (com patrocínio da IMPULSE!) e manifestar uma mudança de percepção no ouvinte, ele virou o cosmos do avesso com ”A Love Supreme”. Esse clássico (lançado em 1965), mostrou um novo Jazz, algo que Pharoah Sanders, sua esposa Alice Coltrane e o próprio John encarnavam com uma abordagem espiritual, valorizando os aspectos amplos e mais abertos – em virtude do som – que caracterizou o Free Jazz e o Spiritual Jazz, por exemplo.

A criação virou um templo sagrado e a meditação foi a frente filosófica adotada para isolar tudo que não fosse adentrar o clã supremo na hora de fazer música. Vale lembrar que nos créditos dessa gravação, o guitarrista Carlos Santana aparece como “Devadip“, seu nome indiano, dado por seu Guru, Sri Chinmoy, bem na fase Racional – ao melhor estilo Tim Maia – mas só com roupa branca mesmo, sem mutreta de desencanto.

Além do Fusion e do Latin Jazz – Carlos adentrou os campos improváveis do Free e o fez ao lado de Alice Coltrane. O resultado é um trabalho primoroso e que se conecta com o ouvinte de uma maneira transcendental. Parece que estamos no reino do invisível. Depois do play, é hora de cerrar os olhos e olhar para dentro.


Line Up:


Alice Coltrane (harpa/piano/órgão)

Carlos Santana (guitarra)

Tom Coster (piano/Hammond)

Dave Holland (baixo)

Jack DeJohnette (bateria/percussão)

Phil Brown (tampura)

Jules Broussard (flauta/saxofone)

Armando Peraza (congas)

Phil Ford (tablas)





Cada nota desse LP é categórica e absoluta. Cada onda permeia conceitos espirituais do background dos 2 compositores principais. Carlos com sua filosofia indiana e Alice, contraponto tudo isso, com uma visão budista e que lhe rendeu a alcunha de “Turiyasangitananda“. Juntos, eles buscam nessa imersão de sublimes solos, caminhos que fazem esse registro ser capaz de coexistir entre o Free e o Spiritual Jazz.


O grupo mergulha fundo. A música separa corpo e alma, isola o espirito e surge com climas voláteis, coloridos e intensos.


Um das grandes proezas desse registro é a fluência das composições. O som se manifesta como um bloco maciço e indivisível. Um épico que é desmembrado take a take, tudo em prol do virtuosismo do ser humano.


Essa concepção sonora é o mais próximo que a música chegou da meditação. Trabalhos como esse precisam de uma vida para a devida apreciação, pois a conexão é de fato uma experiência. Cada corpo reage de uma maneira, mas o principal é entender a sua própria resposta, sentindo com quem, onde e como suas filosofias convergem e se estabelecem dentro desse Jazz.


São pouco mais de 35 minutos de som. O mundo vira um imenso vale de trombetas e nós apenas atravessamos a trilha da peregrinação rumo ao infinito. O sentimento é glorioso, valorizado em cada bend na guitarra de Santana.


Alice mostra mais uma camada de sua inexorável musicalidade, capaz de botar a lírica indiana e o Jazz modal no mesmo groove. Ela encanta com a diversidade de timbres nas teclas, transitando sempre com uma sensibilidade quase poética, seja para tocar piano, harpa ou órgão.


Esse disco saiu depois de uma leva de trabalhos primorosos da compositora – que foram liberados também via IMPULSE! – e o interessante é como ela colaborou com o Santana, tirando o músico de sua zona de conforto, o Latin Jazz.


Carlos com uma foto de John Coltrane

Nesse projeto em particular, ela muda um pouco seu jeito de tocar e cria propostas de arranjos e texturas com o objetivo de aproximar o Santana de seu universo plural, capaz de englobar até a música clássica indiana.


A abordagem de Carlos é de solista. A Alice harmoniza suas ideias com um repertório que espanta o ouvinte. Musicista de grande recurso, é muito interessante ver sua dinâmica com uma guitarra, algo raro em sua discografia.


Como resultado, além dos 2 compositores principais, o disco ainda conta com uma banda de apoio no mínimo luxuosa, com nomes como Dave Holland e Jack DeJohnette, por exemplo. A execução é impecável, escuta-se tudo muito bem e depois da abertura do guru do Santana – e também do John McLaughlin – o disco surge incandescente.


Em “Angel of Air/Agel of Water”, Carlos é protagonista. Com solos vertiginosos, ele conduz o tema numa performance que parece ter sido bastante cansativa, dada a clara intensidade, presente em cada nota que o mexicano tocou. O vigor do saxofone de Jules Broussard também é memorável. As notas longas ressoam até sua última gota. Carlos parece estar em gravidade zero quando alonga as ondas.



A harpa da Alice, por sua vez, oferece um rico tear de possibilidades. O tilintar de cordas chega trazendo mais recursos melódicos e harmônicos para o tema, enquanto contrapõe o fervor da guitarra de Devadip. ”Bliss: The Eternal Now”, mostra um outro pilar riquíssimo desse trabalho: os arranjos de corda. Nessa passagem fica clara a capacidade desse recurso em termos de contar uma história. Um dos takes mais curtos do disco, o tema se revela, enquanto os cellos e violas – com arranjo e condução da própria Alice – acompanham o caminhar sinuoso das composições, agregando toda a carga dramática necessária.


Já o próximo ato, “Angel Of Sunlight” e seus quase 15 minutos, surgem banhado em tablas e solos de guitarra. Aqui o ouvinte é apresentado à fusão de música indiana, e apesar de longo, o que surpreende é a forma como a música não se torna monótona ou cansativa em nenhum momento.


Depois que o Dave Holland bola o groove no rabecão, o baixista já pega rabeira nos solos do Santana e os embates se desenrolam com uma base rítmica fortíssima, enquanto Devadip aponta os caminhos em mais uma supersônica sessão de guitarras.


O encerramento é com a faixa título que batiza esse registro. “Illuminations” é a palavra final da Alice Coltrane. Perceba a força da combinação entre as cordas e o piano.


Depois da tormenta, surge a calmaria.


É o reino invisível mostrando seu aspecto tangível, pelas mãos e visão de uma das maiores musicistas de todos os tempos, com improvisos de um Carlos Santana absolutamente inspirado.


Agora você já pode abrir os olhos novamente.


-Alice Coltrane & Carlos Santana no transe de Illuminations



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